terça-feira, 29 de março de 2011

Contando Histórias III

Olá pessoal! O texto a seguir é uma resenha feita pelo Leandro  da Silva Moraes, nosso convidado para assuntos históricos, sobre - Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004.

Abraços

Tom
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Por Leandro da Silva Moraes

Ana Luiza Backes tem doutorado em ciências políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e é assessora técnica da câmara dos deputados[1].

                        O tema do texto se concentra nas dificuldades enfrentadas pela nova República brasileira juntamente com o presidente Campo Sales[2] em se estabelecer frente a uma certa instabilidade política causada fortemente pela heterogeneidade de pensamentos partidários – concentrados e republicanos legalistas -, por uma fragilidade econômica e por falta de credibilidade internacional.

                        A autora coloca como problemática no seu texto, uma tensão existente no Brasil no final do século XIX e no início do século XX, no que tange a possibilidade de criação de um estado forte nos moldes republicanos que conseguisse abarcar e não ser relevantemente depreciado pelas relações de poderes individuais que ocorriam no solo brasileiro, trazendo muitas vezes um enfraquecimento sucessivo da figura presidencialista e um fortalecimento do velho parlamentarismo da época do império, onde podemos ver várias vezes a interferência do executivo no legislativo. Ou seja, como ter estabilidade política, nas finanças e socialmente, frente a uma gama de interesses singulares que de muito abalavam as estruturas daquele novo regime de governo republicano/ presidencialista e por conseqüência mostrar uma confiabilidade para incentivar investimentos de investidores estrangeiros e trazer respeitabilidade nas relações internacionais do Brasil? Tal reflexão conversa com a passagem a seguir Esta questão terá grande importância na construção do pacto de consolidação da república:

Percebe-se nitidamente uma pressão internacional para o funcionamento da economia internacional para um funcionamento da economia brasileira segundo padrões confiáveis, bem como a resistência de um pequeno grupo. Campo Sales precisa mostrar que pode cumprir com as exigências dos credores internacionais, especialmente deve provar que controla o congresso nacional, tendo capacidade de implementar determinadas mudanças.[3]

                        Campo Sales na tentativa de obter maioria de partidários nos jogos políticos do Brasil república, faz uma quantidade perceptível de concessões. Dentre elas podemos ter como relevantes cortes no orçamento, aprovação de muitas reformas e aumento de impostos. Sua tentativa de ter apoio das duas maiores facções políticas, ou seja, dos concentrados e dos republicanos estava interelacionada com as expectativas de futuro num âmbito regional e globalizante/nacional. Todavia, uma forte oposição entre tais grupos políticos era preocupante para o governo, então, foi planejado um plano que foi denominado de “reforma do regimento” promulgada em 1889 com apoio de Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Pernambuco, modificando as normas de reconhecimento dos deputados. Segundo a autora, tal reforma se constituía de dois pontos fundamentais que perpassaram mudanças nos critérios de escolha do presidente das sessões preparatórias[4] e do critério no reconhecimento dos diplomas.[5] Devemos ver a razão dessa medida dentre outros fatores o enorme problema do governo em ter muitas vezes os dirigentes do estado que não controlavam suas próprias bancadas, sendo submetido dependendo da força daquela região a interesses de outras classes, como a dos cafeicultores de São Paulo e não estadualizando suas representações políticas. Mas, não podemos ver tais medidas com o objetivo de desnacionalizar as forças políticas brasileiras, pois esse aumento gradual da autonomia não elimina uma certa intenção de trazer uma unidade de estado.

            Outra discussão importante que foi mencionada pela autora no texto corresponde ao processo de transição entre o império a república, onde conseguimos, por exemplo, perceber diversos problemas que mesmo com a simbólica “proclamação da república”, temos ainda dificuldades como a administração das ditas “periferias”, as relações conflitantes entre poder local e poder central, a verticalização da ordem política/ social e a forte interferência do executivo na ordem legislativa. Tais problemas vão aos poucos sendo pensados pelo novo governo e alguns deles vão sendo melhorados como a solução de regionalização da representação, garantindo a solidariedade das bancadas estaduais com o poder central.[6] Também é importante a grande política pública para centralizar o estado, onde havia vários poderes regionais que muitas vezes interferiam nessa grande política pública, então, começa – se a tratar de uma “estadualização” das polis, em que foi possível a coexistência mais estruturada entre o público e o privado em uma integração que era também nacionalizante, evolvendo as relações entre o executivo e legislativo. Este novo regime de pensamento vai dando espaço a mandonismos locais, como o coronelismo que caracteriza – se como a reciprocidade entre o poder central e o local, onde muitas vezes entra sistemas clientelares[7]. Todavia, essa relação de economia moral traz algumas conseqüências como “O acordo regionaliza a geração dos atores legítimos, mas deixa o executivo à condução do legislativo nacional. O ponto fulcral do sistema é reproduzir o governismo, o apoio do legislativo.”[8]

                        Ana Luiza enfatiza as peculiaridades do sistema republicano brasileiro, como a difícil relação entre o público e o privado, o republicanismo paulista que muito se diferenciava de outras representações políticas/ sociais desse sistema de governo com o republicanismo gaúcho que tinha um maior tom positivista.
                        Assumindo a presidência da república em 1898, Campo Sales mostra no decorrer de seu mandato características diferentes de Prudente de Morais, onde podemos perceber seu certo distanciamento de grupos monarquistas, atraindo boa parte dos opositores de Prudente, diminuindo a polarização do congresso nacional[9] entre “concentrados” e “republicanos paulistas”. Sua gestão se relaciona fortemente com os ideais do PRF, ou seja, uma defesa notável da constituição de 1891, bem como do federalismo e do presidencialismo.  Outra intenção do governo republicano era tentar trazer confiabilidade para sua moeda, pois para a mesma se constituir como reserva de valor, meio de troca eficiente e unidade de conta, ela deveria ter uma instabilidade que estava sendo difícil de se pensar, pois a demanda no Brasil estava alta e por conseqüência os preços dos produtos também subiam, então a fidúcia[10] - característica fundamental para investimentos estrangeiros – estava insatisfatória, então, seria fundamentalmente importante uma medida governamental de austeridade econômica, opondo – se a política emissionistas[11], onde muito desvalorizaria a moeda brasileira. Esses impasses econômicos podem ser evidenciados no fechamento do congresso em 1891 e o contra – golpe de deposição do marechal Deodoro[12]. Esses diversos interesses que tinham pontos em comum fizerem da república um estado, mesmo que pluralizante ao mesmo tempo gerava com o modelo agroexportador e com as necessidades de matéria prima, mão de obra barata e mercado consumidor um imaginário de cumplicidade. Tal idéia pode ser vista no trecho a seguir:

(...)- nem a defesa do café equivale a uma oposição ideológica de ruptura, de evolução para uma posição “intervencionista”, nem a defesa da ortodoxia fiscal e da austeridade financeira implica necessariamente um apego ao laissez – faire. A defesa da absoluta centralidade da questão financeira, o profundo comprometimento com o reerguimento do crédito e com o saneamento financeiro eram pontos que proximavam os positivistas e os outros líderes republicanos dos paulistas.[13]

                        Creio que a autora juntamente com José Murilo de Carvalho mostrou uma república que não é simplesmente homogênea, bem como “República do café com leite” ou “República dos coronéis”, mas por outro lado, esclarece um modelo historiográfico que de muito mostra a complexidade e o sentido pluralizante da história republicana como a roupagem que agregasse as muitas expectativas de futuro distintas do final do século XIX e início do XX no Brasil. Tal idéia conversa com José Murilo de Carvalho no trecho “A solução mais comum foi de simplesmente definir o público como a soma dos direitos individuais, como na famosa fórmula de Mandeville: Vícios privados, virtude pública.”[14]

                        Por mais que existisse regionalismos fortes, o sentido de um Brasil, como conhecemos estava sendo construído, ou seja, essa identidade está repleta de historicidade e peculiaridades que foram sendo adicionadas ao longo de décadas. Essa república federativa do Brasil de hoje é produto de uma república brasileira de 1889.
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NOTAS

[2] Representante forte dos interesses do partido republicano paulista.
[3] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 106.
[4] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 109.
[5] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 109.

[6] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 125.

[7] O presidente concede benefícios ao coronel e o mesmo segue com medidas que interessa a ordem daquele respectivo presidente.

[8] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 128.

[9] Esse apoio também está ligado com a recuperação do meio simbólico do modelo modernizador dos ditos “propagandistas”.
[10] Confiabilidade da moeda brasileira.

[11] Dentre várias características estavam as muitas discussões sobre até que ponto o estado poderia interferir na economia, gerando divergências políticas entre liberais e conservadores.

[12] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 175.

[13] Backes, Ana Luiza Parte. Parte III – O pacto, cap 4: o desafio de campo Sales – construir maioria em um congresso dividido. In Backes, A. L. In Fundamentos da Ordem Republicana repensando o Pacto de Campo Sales. Porto Alegre: UFRS, 2004. P. 175.

[14] A Formação das Almas. O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 16. reimpressão, 2006. P.18 – 19.

1 comentários:

Roberta Fraga disse...

Ainda me pergunto, quem somos nós brasileiros. Essa mistura toda tem aspectos culturais bem positivos, mas às vezes, gera um certo desinteresse, uma certa desunião, considerando causas nacionais.

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